OS SUFISTAS


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OS SUFISTAS

Escrito por Robert Graves, para o livro "Os Sufis", de Idries Shah

Os sufis são uma antiga maçonaria espiritual cujas origens nunca foram traçadas nem datadas; nem eles mesmos se interessam muito por esse tipo de pesquisa, contentando-se em mostrar a ocorrência da sua maneira de pensar em diferentes regiões e períodos. Conquanto sejam, de ordinário, erroneamente tomados por uma seita muçulmana, os sufis sentem-se à vontade em todas as religiões: exatamente como os "pedreiros-livres e aceitos", abrem diante de si, em sua loja, qualquer livro sagrado - seja a Bíblia, seja o Corão, seja a Torá - aceito pelo Estado temporal. Se chamam ao islamismo a "casca" do sufismo, é porque o sufismo, para eles, constitui o ensino secreto dentro de todas as religiões. Não obstante, segundo Ali el-Hujwiri, escritor sufista primitivo e autorizado, o próprio profeta Maomé disse: "Aquele que ouve a voz do povo sufista e não diz aamin (amém) é lembrado na presença de Deus como um dos insensatos". Numerosas outras tradições o associam aos sufis, e foi em estilo sufista que ele ordenou a seus seguidores que respeitassem todos os "Povos do Livro", referindo-se dessa maneira aos povos que respeitavam as próprias escrituras sagradas - expressão usada mais tarde para incluir os zoroastrianos.
Tampouco são os sufis uma seita, visto que não acatam nenhum dogma religioso, por mais insignificante que seja, nem se utilizam de nenhum local regular de culto. Não têm nenhuma cidade sagrada, nenhuma organização monástica, nenhum instrumento religioso. Não gostam sequer que lhes atribuam alguma designação genérica que possa constrangê-los à conformidade doutrinária. "Sufi" não passa de um apelido, como "quacre", que eles aceitam com bom humor. Referem-se a si mesmos como "nós amigos" ou "gente como nós", e reconhecem-se uns aos outros por certos talentos, hábitos ou qualidades de pensamento naturais. As escolas sufistas reuniram-se, com efeito, à volta de professores particulares, mas não há graduação, e elas existem apenas para a conveniência dos que trabalham com a intenção de aprimorar os estudos pela estreita associação com outros sufis. A assinatura sufista característica encontra-se numa literatura amplamente dispersa desde, pelo menos, o segundo milênio antes de Cristo, e se bem o impacto óbvio dos sufis sobre a civilização tenha ocorrido entre o oitavo e o décimo oitavo séculos, eles continuam ativos como sempre. O seu número chega a uns cinqüenta milhões. O que os torna um objeto tão difícil de discussão é que o seu reconhecimento mútuo não pode ser explicado em termos morais ou psicológicos comuns - quem quer que o compreenda é um sufi. Posto que se possa aguçar a percepção dessa qualidade secreta ou desse instinto pelo íntimo contato com sufis experientes, não existem graus hierárquicos entre eles, mas apenas o reconhecimento geral, tácito, da maior ou menor capacidade de um colega.
O sufismo adquiriu um sabor oriental por ter sido por tanto tempo protegido pelo islamismo, mas o sufi natural pode ser tão comum no Ocidente como no Oriente, e apresentar-se vestido de general, camponês, comerciante, advogado, mestre-escola, dona-de-casa, ou qualquer outra coisa. "Estar no mundo mas não ser dele", livre da ambição, da cobiça, do orgulho intelectual, da cega obediência ao costume ou do respeitoso temor às pessoas de posição mais elevada - tal é o ideal do sufi.
Os sufis respeitam os rituais da religião na medida em que estes concorrem para a harmonia social, mas ampliam a base doutrinária da religião onde quer que seja possível e definem-lhe os mitos num sentido mais elevado - por exemplo, explicando os anjos como representações das faculdades superiores do homem. Oferecem ao devoto um "jardim secreto" para o cultivo da sua compreensão, mas nunca exigem dele que se torne monge, monja ou eremita, como acontece com os místicos mais convencionais; e mais tarde, afirmam-se iluminados pela experiência real - "quem prova, sabe" - e não pela discussão filosófica. A mais antiga teoria de evolução consciente que se conhece é de origem sufista, mas embora muito citada por darwinianos na grande controvérsia do século XIX, aplica-se mais ao indivíduo do que à raça. O lento progresso da criança até alcançar a virilidade ou a feminilidade figura apenas como fase do desenvolvimento de poderes mais espetaculares, cuja força dinâmica é o amor, e não o ascetismo nem o intelecto.
A iluminação chega com o amor - o amor no sentido poético da perfeita devoção a uma musa que, sejam quais forem as crueldades aparentes que possa cometer, ou por mais aparentemente irracional que seja o seu comportamento, sabe o que está fazendo. Raramente recompensa o poeta com sinais expressos do seu favor, mas confirma-lhe a devoção pelo seu efeito revivificante sobre ele. Assim, Ibn El-Arabi (1165-1240), um árabe espanhol de Múrcia, que os sufis denominam o seu poeta maior, escreveu no Tarju-man el-Ashwaq (o intérprete dos desejos):
"Se me inclino diante dela como é do meu dever E se ela nunca retribui a minha saudação Terei, acaso, um justo motivo de queixa? A mulher formosa a nada é obrigada"
Esse tema de amor foi, posteriormente, usado num culto extático da Virgem Maria, a qual, até o tempo das Cruzadas, ocupara uma posição sem importância na religião cristã. A maior veneração que ela recebe hoje vem precisamente das regiões da Europa que caíram de maneira mais acentuada sob a influência sufista.
Diz de si mesmo, Ibn El-Arabi:
"Sigo a religião do Amor.
Ora, às vezes, me chamam
Pastor de gazelas [divina sabedoria]
Ora monge cristão,
Ora sábio persa.
Minha amada são três -
Três, e no entanto, apenas uma;
Muitas coisas, que parecem três,
Não são mais do que uma.
Não lhe dêem nome algum,
Como se tentassem limitar alguém
A cuja vista
Toda limitação se confunde"

Os poetas foram os principais divulgadores do pensamento sufista, ganharam a mesma reverência concedida aos ollamhs, ou poetas maiores, da primitiva Irlanda medieval, e usavam uma linguagem secreta semelhante, metafórica, constituída de criptogramas verbais. Escreve Nizami, o sufi persa: "Sob a linguagem do poeta jaz a chave do tesouro". Essa linguagem era ao mesmo tempo uma proteção contra a vulgarização ou a institucionalização de um hábito de pensar apropriado apenas aos que o compreendiam, e contra acusações de heresia ou desobediência civil. Ibn El-Arabi, chamado às barras de um tribunal islâmico de inquisição em Alepo, para defender-se da acusação de não-conformismo, alegou que os seus poemas eram metafóricos, e sua mensagem básica consistia no aprimoramento do homem através do amor a Deus. Como precedente, indicava a incorporação, nas Escrituras judaicas, do Cântico erótico de Salomão, oficialmente interpretado pelos sábios fariseus como metáfora do amor de Deus a Israel, e pelas autoridades católicas como metáfora do amor de Deus à Igreja.
Em sua forma mais avançada, a linguagem secreta emprega raízes consonantais semíticas para ocultar e revelar certos significados; e os estudiosos ocidentais parecem não ter se dado conta de que até o conteúdo do popular "As mil e uma noites" é sufista, e que o seu título árabe, Alf layla wa layla, é uma frase codificada que lhe indica o conteúdo e a intenção principais: "Mãe de Lembranças". Todavia, o que parece, à primeira vista, o ocultismo oriental é um antigo e familiar hábito de pensamento ocidental. A maioria dos escolares ingleses e franceses começam as lições de história com uma ilustração de seus antepassados druídicos arrancando o visco de um carvalho sagrado. Embora César tenha creditado aos druidas mistérios ancestrais e uma linguagem secreta - o arrancamento do visco parece uma cerimônia tão simples, já que o visco é também usado nas decorações de Natal -, que poucos leitores se detêm para pensar no que significa tudo aquilo. O ponto de vista atual, de que os druidas estavam, virtualmente, emasculando o carvalho, não tem sentido.
Ora, todas as outras árvores, plantas e ervas sagradas têm propriedades peculiares. A madeira do amieiro é impermeável à água, e suas folhas fornecem um corante vermelho; a bétula é o hospedeiro de cogumelos alucinógenos; o carvalho e o freixo atraem o relâmpago para um fogo sagrado; a raiz da mandrágora é antiespasmódica. A dedaleira fornece digitalina, que acelera os batimentos cardíacos; as papoulas são opiatos; a hera tem folhas tóxicas, e suas flores fornecem às abelhas o derradeiro mel do ano. Mas os frutos do visco, amplamente conhecidos pela sabedoria popular como "panacéia", não têm propriedades medicinais, conquanto sejam vorazmente comidos pelos pombos selvagens e outros pássaros não-migrantes no inverno. As folhas são igualmente destituídas de valor; e a madeira, se bem que resistente, é pouco utilizada. Por que, então, o visco foi escolhido como a mais sagrada e curativa das plantas? A única resposta talvez seja a de que os druidas o usavam como emblema do seu modo peculiar de pensamento. Essa árvore não é uma árvore, mas se agarra igualmente a um carvalho, a uma macieira, a uma faia e até a um pinheiro, enverdece, alimenta-se dos ramos mais altos quando o resto da floresta parece adormecido, e a seu fruto se atribui o poder de curar todos os males espirituais. Amarrados à verga de uma porta, os ramos do visco são um convite a beijos súbitos e surpreendentes. O simbolismo será exato se pudermos equiparar o pensamento druídico ao pensamento sufista, que não é plantado como árvore, como se plantam as religiões, mas se auto-enxerta numa árvore já existente; permanece verde, embora a própria árvore esteja adormecida, tal como as religiões são mortas pelo formalismo; e a principal força motora do seu crescimento é o amor, não a paixão animal comum nem a afeição doméstica, mas um súbito e surpreendente reconhecimento do amor, tão raro e tão alto que do coração parecem brotar asas. Por estranho que pareça, a Sarça Ardente em que Deus apareceu a Moisés no deserto, supõem agora os estudiosos da Bíblia, era uma acácia glorificada pelas folhas vermelhas de um locanthus, o equivalente oriental do visco.
Talvez seja mais importante o fato de que toda a arte e a arquitetura islâmicas mais nobres são sufistas, e que a cura, sobretudo dos distúrbios psicossomáticos, é diariamente praticada pelos sufis hoje em dia como um dever natural de amor, conquanto só o façam depois de haverem estudado, pelo menos, doze anos. Os ollamhs, também curadores, estudavam doze anos em suas escolas das florestas. O médico sufista não pode aceitar nenhum pagamento mais valioso do que um punhado de cevada, nem impor sua própria vontade ao paciente, como faz a maioria dos psiquiatras modernos; mas, tendo-o submetido a uma hipnose profunda, ele o induz a diagnosticar o próprio mal e prescrever o tratamento. Em seguida, recomenda o que se há de fazer para impedir uma recorrência dos sintomas, visto que o pedido de cura há de provir diretamente do paciente e não da família nem dos que lhe querem bem.
Depois de conquistadas pelos sarracenos, a partir do século VIII d.C, a Espanha e a Sicília tornaram-se centros de civilização muçulmana renomados pela austeridade religiosa. Os letrados do norte, que acudiram a eles com a intenção de comprar obras árabes a fim de traduzi-las para o latim, não se interessavam, contudo, pela doutrina islâmica ortodoxa, mas apenas pela literatura sufista e por tratados científicos ocasionais. A origem dos cantos dos trovadores - a palavra não se relaciona com trobar, (encontrar), mas representa a raiz árabe TRB, que significa "tocador de alaúde" - é agora autorizadamente considerada sarracena. Apesar disso, o professor Guillaume assinala em "O legado do Islã" que a poesia, os romances, a música e a dança, todos especialidades sufistas, não eram mais bem recebidas pelas autoridades ortodoxas do Islã do que pelos bispos cristãos. Árabes, na verdade, embora fossem um veículo não só da religião muçulmana mas também do pensamento sufista, permaneceram independentes de ambos.
Em 1229 a ilha de Maiorca foi capturada pelo rei Jaime de Aragão aos sarracenos, que a haviam dominado por cinco séculos. Depois disso, ele escolheu por emblema um morcego, que ainda encima as armas de Palma, a nossa capital. Esse morcego emblemático me deixou perplexo por muito tempo, e a tradição local de que representa "vigilância" não me pareceu uma explicação suficiente, porque o morcego, no uso cristão, é uma criatura aziaga, associada à bruxaria. Lembrei-me, porém, de que Jaime I tomou Palma de assalto com a ajuda dos Templários e de dois ou três nobres mouros dissidentes, que viviam alhures na ilha; de que os Templários haviam educado Jaime em le bon saber, ou sabedoria; e de que, durante as Cruzadas, os Templários foram acusados de colaboração com os sufis sarracenos. Ocorreu-me, portanto, que "morcego" poderia ter outro significado em árabe, e ser um lembrete para os aliados mouros locais de Jaime, presumivelmente sufis, de que o rei lhes estudara as doutrinas.
Escrevi para Idries Shah Sayed, que me respondeu:
 

"A palavra árabe que designa o morcego é KHuFFaasH, proveniente da raiz KH-F-SH. Uma segunda acepção dessa raiz é derrubar, arruinar, calcar aos pés, provavelmente porque os morcegos freqüentam prédios em ruínas. O emblema de Jaime, desse modo, era um simples rébus que o proclamava "o Conquistador", pois ele, na Espanha, era conhecido como "El rey Jaime, Rei Conquistador". Mas essa não é a história toda. Na literatura sufista, sobretudo na poesia de amor de Ibn El-Arabi, de Múrcia, disseminada por toda a Espanha, "ruína" significa a mente arruinada pelo pensamento impenitente, que aguarda reedificação.
O outro único significado dessa raiz é "olhos fracos, que só enxergam à noite". Isso pode significar muito mais do que ser cego como um morcego. Os sufis referem-se aos impenitentes dizendo-os cegos à verdadeira realidade; mas também a si mesmos dizendo-se cegos às coisas importantes para os impenitentes. Como o morcego, o sufi está cego para as "coisas do dia" - a luta familiar pela vida, que o homem comum considera importantíssima - e vela enquanto os outros dormem. Em outras palavras, ele mantém desperta a atenção espiritual, adormecida em outros. Que "a humanidade dorme num pesadelo de não-realização" é um lugar-comum da literatura sufista. Por conseguinte, a sua tradição de vigilância, corrente em Palma, como significado de morcego, não deve ser desprezada."

A absorção no tema do amor conduz ao êxtase, sabem-no todos os sufis. Mas enquanto os místicos cristãos consideram o êxtase como a união com Deus e, portanto, o ponto culminante da consecução religiosa, os sufis, só lhe admitem o valor se ao devoto for facultado, depois do êxtase, voltar ao mundo e viver de forma que se harmonize com sua experiência.
Os sufis insistiram sempre na praticabilidade do seu ponto de vista. A metafísica, para eles, é inútil sem as ilustrações práticas do comportamento humano prudente, fornecidas pelas lendas e fábulas populares. Os cristãos se contentame em usar Jesus como o exemplar perfeito e final do comportamento humano. Os sufis, contudo, ao mesmo tempo que o reconhecem como profeta divinamente inspirado, citam o texto do quarto Evangelho: "Eu disse: Não está escrito na vossa Lei que sois deuses?" - o que significa que juizes e profetas estão autorizados a interpretar a lei de Deus - e sustenta que essa quase divindade deveria bastar a qualquer homem ou mulher, pois não há deus senão Deus. Da mesma forma, eles recusaram o lamaísmo do Tibete e as teorias indianas da divina encarnação; e posto que acusados pelos muçulmanos ortodoxos de terem sofrido a influência do cristianismo, aceitam o Natal apenas como parábola dos poderes latentes no homem, capazes de apartá-lo dos seus irmãos não-iluminados. De idêntica maneira, consideram metafóricas as tradições sobrenaturais do Corão, nas quais só acreditam literalmente os não-iluminados. O Paraíso, por exemplo, não foi, dizem eles, experimentado por nenhum homem vivo; suas huris (criaturas de luz) não oferecem analogia com nenhum ser humano e não se deviam imputar-lhes atributos físicos, como acontece na fábula vulgar.
Abundam exemplos, em toda a literatura européia, da dívida para com os sufis. A lenda de Guilherme Tell já se encontrava em "A conferência dos pássaros", de Attar (séc. XII), muito antes do seu aparecimento na Suíça. E, embora dom Quixote pareça o mais espanhol de todos os espanhóis, o próprio Cervantes reconhece sua dívida para com uma fonte árabe. Essa imputação foi posta de lado, como quixotesca, por eruditos; mas as histórias de Cervantes seguem, não raro, as de Sidi Kishar, lendário mestre sufista às vezes equiparado a Nasrudin, incluindo o famoso incidente dos moinhos (aliás de água, e não de vento) tomados equivocadamente por gigantes. A palavra espanhola Quijada (verdadeiro nome do Quixote, de acordo com Cervantes) deriva da mesma raiz árabe KSHR de Kishar, e conserva o sentido de "caretas ameaçadoras".
Os sufis muçulmanos tiveram a sorte de proteger-se das acusações de heresia graças aos esforços de El-Ghazali (1051-1111), conhecido na Europa por Algazel, que se tornou a mais alta autoridade doutrinária do islamismo e conciliou o mito religioso corânico com a filosofia racionalista, o que lhe valeu o título de "Prova do Islamismo". Entretanto, eram freqüentemente vítimas de movimentos populares violentos em regiões menos esclarecidas, e viram-se obrigados a adotar senhas e apertos de mão secretos, além de outros artifícios para se defenderem.
Embora o frade franciscano Roger Bacon tenha sido encarado com respeitoso temor e suspeita por haver estudado as "artes negras", a palavra "negra" não significa "má". Trata-se de um jogo de duas raízes árabes, FHM e FHHM, que se pronunciam fecham e facham, uma das quais significa "negro" e a outra "sábio". O mesmo jogo ocorre nas armas de Hugues de Payns (dos pagãos), nascido em 1070 ,que fundou a Ordem dos Cavaleiros Templários: a saber, três cabeças pretas, blasonadas como se tivessem sido cortadas em combate, mas que, na realidade, denotam cabeças de sabedoria.
"Os sufis são uma antiga maçonaria espiritual..." De fato, a própria maçonaria começou como sociedade sufista. Chegou à Inglaterra durante o reinado do rei Aethelstan (924-939) e foi introduzida na Escócia disfarçada como sendo um grupo de artesãos no princípio do século XIV, sem dúvida pelos Templários. A sua reformação, na Londres do início do século XVIII, por um grupo de sábios protestantes, que tomaram os termos sarracenos por hebraicos, obscureceu-lhes muitas tradições primitivas. Richard Burton, tradutor das "Mil e uma noites", ao mesmo tempo maçom e sufi, foi o primeiro a indicar a estreita relação entre as duas sociedades, mas não era tão versado que compreendesse que a maçonaria começara como um grupo sufista. Idries Shah Sayed mostra-nos agora que foi uma metáfora para a "reedificação", ou reconstrução, do homem espiritual a partir do seu estado de decadência; e que os três instrumentos de trabalho exibidos nas lojas maçônicas modernas representam três posturas de oração. "Buizz" ou "Boaz" e "Salomão, filho de Davi", reverenciados pelos maçons como construtores do Templo de Salomão em Jerusalém, não eram súditos israelitas de Salomão nem aliados fenícios, como se supôs, senão arquitetos sufistas de Abdel-Malik, que construíram o Domo da Rocha sobre as ruínas do Templo de Salomão, e seus sucessores. Seus verdadeiros nomes incluíam Thuban abdel Faiz "Izz", e seu "bisneto", Maaruf, filho (discípulo) de Davi de Tay, cujo nome sufista em código era Salomão, por ser o "filho de Davi". As medidas arquitetônicas escolhidas para esse templo, como também para o edifício da Caaba em Meca, eram equivalentes numéricos de certas raízes árabes transmissoras de mensagens sagradas, sendo que cada parte do edifício está relacionada com todas as outras, em proporções definidas.
De acordo com o princípio acadêmico inglês, o peixe não é o melhor professor de ictiologia, nem o anjo o melhor professor de angelologia. Daí que a maioria dos livros modernos e artigos mais apreciados a respeito do sufismo sejam escritos por professores de universidades européias e americanas com pendores para a história, que nunca mergulharam nas profundezas sufistas, nunca se entregaram às extáticas alturas sufistas e nem sequer compreendem o jogo poético de palavras pérseo-arábicas. Pedi a Idries Shah Sayed que remediasse a falta de informações públicas exatas, ainda que fosse apenas para tranqüilizar os sufis naturais do Ocidente, mostrando-lhes que não estão sós em seus hábitos peculiares de pensamento, e que as suas intuições podem ser depuradas pela experiência alheia. Ele consentiu, embora consciente de que teria pela frente uma tarefa muito difícil. Acontece que Idries Shah Sayed, descendente, pela linha masculina, do profeta Maomé, herdou os mistérios secretos dos califas, seus antecessores. É, de fato, um Grande Xeque da Tariqa (regra) sufista, mas como todos os sufis são iguais, por definição, e somente responsáveis perante si mesmos por suas consecuções espirituais, o título de "xeque" é enganoso. Não significa "chefe", como também não significa o "chefe de fila", velho termo do exército para indicar o soldado postado diante da companhia durante uma parada, como exemplo de exercitante militar.
A dificuldade que ele previu é que se deve presumir que os leitores deste livro tenham percepções fora do comum, imaginação poética, um vigoroso sentido de honra, e já ter tropeçado no segredo principal, o que é esperar muito. Tampouco deseja ele que o imaginem um missionário. Os mestres sufistas fazem o que podem para desencorajar os discípulos e não aceitam nenhum que chegue "de mãos vazias", isto é, que careça do senso inato do mistério central. O discípulo aprende menos com o professor seguindo a tradição literária ou terapêutica do que vendo-o lidar com os problemas da vida cotidiana, e não deve aborrecê-lo com perguntas, mas aceitar, confiante, muita falta de lógica e muitos disparates aparentes que, no fim, acabarão por ter sentido. Boa parte dos principais paradoxos sufistas está em curso em forma de histórias cômicas, especialmente as que têm por objeto o Kboja (mestre-escola) Nasrudin, e ocorrem também nas fábulas de Esopo, que os sufis aceitam como um dos seus antepassados.
O bobo da corte dos reis espanhóis, com sua bengala de bexiga, suas roupas multicoloridas, sua crista de galo, seus guizos tilintantes, sua sabedoria singela e seu desrespeito total pela autoridade, é uma figura sufista. Seus gracejos eram aceitos pelos soberanos como se encerrassem uma sabedoria mais profunda do que os pareceres solenes dos conselheiros mais idosos. Quando Filipe II da Espanha estava intensificando sua perseguição aos judeus, decidiu que todo espanhol que tivesse sangue judeu deveria usar um chapéu de certo formato. Prevendo complicações, o bobo apareceu na mesma noite com três chapéus. "Para quem são eles, bobo?", perguntou Filipe. "Um é para mim, tio, outro para ti e outro para o inquisidor-mor". E como fosse verdade que numerosos fidalgos medievais espanhóis haviam contraído matrimônio com ricas herdeiras judias, Filipe, diante disso, desistiu do plano. De maneira muito semelhante, o bobo da corte de Carlos I, Charlie Armstrong (outrora ladrão de carneiros escocês), que o rei herdara do pai, tentou opor-se à política da Igreja arminiana do arcebispo Laud, que parecia destinada a redundar num choque armado com os puritanos. Desdenhoso, Carlos pedia a Charlie seu parecer sobre política religiosa, ao que o bobo lhe respondeu: "Entoe grandes louvores a Deus, tio, e pequenas laudes ao Diabo". Laud, muito sensível à pequenez do seu tamanho, conseguiu que expulsassem Charlie Armstrong da corte (o que não trouxe sorte alguma ao amo).



Uma definição de Sufismo, a partir de seu nome é algo difícil de ser feito, visto haverem várias formas de interpretar a sua raiz arábica: SF. Uma das interpretações mais em voga é a que o Sufi é aquele que faz uso do manto rústico tecido de lã (sûf) enquanto que outra linha de interpretação faz derivar o nome do sopro do conhecimento místico que nasce do coração (Sôf). Uma terceira linha faz nascer o nome não de uma raiz árabe, mas sim grega, Sophos, ou conhecimento.
De qualquer maneira, a forma mais aceita de interpretar o Sufi e o Sufismo é utilizando não a sua origem lingüística, mas sim os seus objetivos: em termos gerais, o Sufi é todo aquele indivíduo que acredita que é possível ter uma experiência direta de Deus e que está preparado para sair de sua vida rotineira para se colocar debaixo das condições e meios que lhe permitam chegar a este objetivo. Neste contexto, o Sufi é considerado como o protótipo de todo místico que busca a União. Um exemplo vívido nos é apresentado por Djalalludin Rumi.
O Sufismo é atualmente mais equacionado com uma forma islâmica de misticismo, que tende a abraçar diferentes maneiras e tipos de técnicas, mas todas voltadas a uma busca de uma comunhão direta entre Deus e o homem. É uma esfera de experiência espiritual que corre em paralelo com a prática do Islão, que deriva da revelação profética e se desenvolve na Shari’a e na teologia muçulmana. Como religião codificada, o Islão não pode admitir que a experiência mística possa ocorrer em paralelo e como experiência pessoal única, o que gerou as tensões e questionamentos que o Sufismo islâmico sempre sofreu ao longo de sua trajetória. O objetivo tanto do Islão quanto do Sufismo é conduzir o praticante em direção à Verdade ou Realidade. Dentro do Islão como religião revelada, tal objetivo seria obtido através da prática dos preceitos religiosos enquanto que no Sufismo, além destes preceitos, entrariam também em jogo uma série de fatores intuitivos e emocionais que, segundo a teoria do Sufismo, estariam dormentes na maioria dos seres humanos e que, sob uma supervisão correta, poderiam ser despertos e desenvolvidos.
Este desenvolvimento recebe o nome de Caminho e o viajante no caminho (salak at-tariq) busca eliminar os véus que ocultam a sua experiência do Real e assim, vir a transformar-se ou absorvido na Unidade indiferenciada. Embora não seja um processo intelectual, o Sufismo acabou gerando uma série de formulações teórico/práticas que constituíram verdadeiras linhas filosófico/místicas que acabaram se constituindo em verdadeiras formas de reação contra um Islão cada vez mais sistematizado em termos de leis e teologia sistemática, objetivando uma liberdade espiritual através da qual os sentidos espirituais intrínsecos do ser humano pudessem ser amplamente utilizados. Os vários caminhos (turuq, tariqa no plural) estão preocupados com este objetivo e não na justificativa religiosa ou não.
O Sufismo inicial representava uma expressão natural da religião pessoal em contraposição à expressão religiosa do grupo. Era a afirmação do direito pessoal em seguir uma vida de contemplação e de busca de contato com a fonte de ser e realidade, acima de qualquer forma institucionalizada de religião baseada em mera autoridade, numa relação Mestre-Discípulo unilateral, com sua ênfase na observância ritual e num moralismo legalístico. O espírito da piedade Corânica acabou fluindo para dentro das vidas e práticas, assumindo formas de expressão diversas, como encontradas no zickr (rememoração), dos antigos ascetas (nussak) e devotos (zuhhad). Estes buscadores, depois de obterem uma experiência de comunhão direta com Deus garantiam que o Islão não estava confinado dentro de uma diretiva moralística. Seus objetivos eram de alcançar uma percepção ética.
O Sufismo teve seu desenvolvimento dentro do corpo da religião Islâmica e, na sua origem pouco deve a influências não-muçulmanas, embora recebendo algumas tinturas da vida ascetico-mística cristã e do pensamento do Cristianismo Oriental. Os mestres iniciais estavam mais preocupados com as experiências do que com a teorização teosófica.
Buscavam mais guiar que ensinar, direcionando o aspirante ao longo das suas experiências, buscando sempre um conhecimento isento dos perigos da ilusão, através do qual o aspirante pudesse obter um acesso à verdade espiritual. Na prática, o Sufismo consiste em sentimentos, percepções e revelações, ou insights pessoais que são alcançados através de uma série de passagens por estados de êxtase. Assim, o ensinamento se seguiria à experiência. Neste caso, o êxtase seria entendido como fases distintas de negação de aspectos prévios do ser e a incorporação de novos estados e a ativação de novas potencialidades, sendo que este processo sempre é acompanhado de sentimentos, emocionalidades e intuições que nada tem a ver com o êxtase na sua definição mais ‘mediúnica’ de negação (ou suspensão temporária) da consciência pessoal. Aqui é feita uma distinção entre as duas formas de expressão externa da experiência do postulante: o estado de êxtase (ghalaba, defendido por Bistami), onde o indivíduo demonstra, através de gestos, palavras, cânticos ou até mesmo pela alteração de seus comportamentos e presença física, aquilo que está experimentando internamente e na sobriedade (sahw, defendido por Junaid), onde o indivíduo não deixa transparecer nada aquilo que lhe está acontecendo. Com o passar do tempo, esta última postura tornou-se a mais valorizada, pois era considerada como ‘segura’ pela ortodoxia religiosa.
Os grupos sufis iniciais eram bastante frouxos e mutáveis, com os discípulos viajando em busca de mestres, outros ganhando seu sustento com trabalho e outros mendigando. Aos poucos vão se formando locais de reunião para tais tipos de viajantes e cada um estava associado com algum tipo de função: as hospedarias, em certas regiões da Arábia (ribats) tem esta origem, no Korasan, estes locais estavam associados com casas de repouso, hospitais e hospícios (khanaqah) enquanto que outros eram retiros (khalwa ou zawya), geralmente sob a orientação de um diretor espiritual. Com o tempo, todos estes termos passaram a representar um local de reunião sufi. Já no século XI encontramos estruturas Sufi, com locais de reunião, exercícios espirituais, meditação e retiros bem organizados, embora o pessoal que deles participava ainda era bastante infreqüente e que migravam de mestre a mestre. Com o passar do tempo começaram a dispor de um pessoal mais permanente e finalmente, assumiram as características de verdadeiras linhagens espirituais, abrindo o caminho para um processo de institucionalização. Assim surgem as ordens Sufi, geralmente girando ao redor do místico fundador, e surge o processo de admissão de um postulante à uma Silsila (cadeia contínua de autoridade e de transmissão de conhecimento). Freqüentemente uma Silsila, por um processo de desdobramento ou de quebra, dá origem a outras linhagens que lhe são parentes, criando uma infinidade de subordens que irão, por sua vez passar pelo mesmo processo. Tal mecanismo está em franco desenvolvimento nos dias atuais, principalmente devido ao fato do grande interesse dos Ocidentais por estas Ordens, o que facilitou este processo de multiplicação.
Em termos esotéricos, o Sufismo não se diferencia da busca pela União que já é encontrada nas propostas místicas anteriores ao Islão, a Cabala Judáica, as propostas Platônicas e Neo-Platônicas, o Gnosticismo e o Misticismo Cristão precederam e deram um embasamento para o Sufismo Islâmico. Dentro deste contexto maior, o Sufismo, assim como as formas que lhe precederam recebem o nome de Trabalho, ou seja, o processo ativo de aperfeiçoamento do indivíduo para que este se torne capaz de perseguir o fim último de seu ser: a União Mística com o Absoluto. Nesta perspectiva não seria possível estabelecerse qualquer diferencial entre uma linha com outra, afora as diferenças exteriores de apresentação e contexto cultural. Essa é uma das formas de entender o que é chamado de Tradição Perene, ou Filosofia Perene, que representa a essência dos conhecimentos e praticas capazes de conduzir o individuo a um desenvolvimento harmônico de suas potencialidades. Assim cada uma destas linhas e escolas, que tentaram preservar e desenvolver este conhecimento, são expressões desta Tradição Perene em diferentes épocas e culturas. Cada uma delas assumiu uma forma especifica, mística, religiosa, artística, filosófica ou cientifica, de acordo com o momento em que surgiram e se desenvolveram. Assim o problema fundamental que se apresenta ao postulante é o mais crucial de todos: o que ele realmente deseja; a busca da União, com tudo que isto representa ou a busca de um apoio religioso e institucional. Isto com freqüência não é bem analisado pelo postulante que acaba confundindo ambos os objetivos.

O GRANDE SUFISMO
O Sufismo tem sido reconhecido por muitos autores como um dos maiores representantes da espiritualidade e importante fonte de conhecimentos e práticas do caminho místico.
Seu objetivo básico é o de prover ao ser humano, um caminho real e bastante abrangente de crescimento e desenvolvimento de suas potencialidades, buscando conduzir o ser humano de volta à sua dimensão de perfeição, fim último de qualquer caminho místico verdadeiro.
Muito da proeminência que o Sufismo desfruta vem do fato dele conter elementos oriundos de outras tradições e de ter dado continuidade a elas incorporando-as dentro de seu processo. Isto acabou por conferir-lhe um caráter mais universal, mesmo estando inserido dentro do contexto do mundo Islâmico.
É possível perceber esta influência especialmente durante a Idade Média e Renascença, que se estendeu aos Cristãos, Judeus e outras escolas esotéricas. Também influenciou o desenvolvimento da Filosofia, principalmente com a tradução e divulgação dos textos gregos, Ciências como a medicina, a matemática, a astronomia e as Artes.
Uma das versões sobre o início do Sufismo remonta aos indivíduos que surgiram depois da morte do profeta Maomé. Estes indivíduos se retiraram para o deserto ou áreas de menor evidência quando se iniciaram as disputas pelas sucessões dos Califas. Essa atitude buscava preservar e dar continuidade aos conhecimentos que eles haviam recebido principalmente de Ali e de Abu Bakr, ambos companheiros mais próximos do Profeta. Segundo a tradição, Maomé teria confiado principalmente a eles, os aspectos mais esotéricos do conhecimento que possuía, ou seja, sua dimensão mística ou espiritual.
Em contato também com outras tradições, estes indivíduos foram os maiores responsáveis pelo desenvolvimento da dimensão mística do Islã, e aos poucos foram formando escolas e ganhando importância como representantes da espiritualidade.
Eles e seus discípulos começaram a ser conhecidos como Sufis, e a inserir suas escolas na comunidade, resgatando e ensinando o caminho místico da Verdade e da Unidade Divina, a exemplo do próprio Maomé. E isto não aconteceu através do ascetismo clássico de abandono e negação, mas pela verdadeira pobreza espiritual.
Nesta pobreza, o coração imerso no Amor, abandona o seu apego ao mundo para unir-se a Deus. Isso acontece sem que, necessariamente, deva-se abandonar o mundo, ou afastar-se da sociedade. Afinal, não haveria sentido em ensinar a Unidade rejeitando uma parte da expressão do Absoluto. Como bem resume um ditado: “O sufi é aquele que está no mundo, mas não pertence a ele.”
Como seu maior propósito está na busca pela Presença Divina, e também por ter incorporado elementos de outras tradições, o Sufismo acabou por adquirir um caráter mais universal. E por isso também, foi muitas vezes reconhecido como a essência das religiões e da espiritualidade. Prova disso é que dentro de grupos sufis é comum encontrar-se indivíduos de diversas religiões e tradições.
Esta irmandade
não tem nada a ver com ser elevado ou baixo,
esperto ou ignorante.
Não existe uma assembléia especial, nem um grande discurso,
nem se requer nenhum curso anterior.
Esta irmandade se parece mais com uma festa de bêbados
cheia de trapaceiros, tolos, charlatões e loucos.
*
Não sou deste mundo e nem do próximo;
Nem do céu, nem do inferno.
Não vim de Adão nem de Eva;
Não moro no Éden nem nos jardins do paraíso;
Meu lugar é um não lugar, minhas pegadas não deixam marca.
Nada é meu, nem corpo nem alma.
Tudo pertence ao coração do meu Amado.
Eu desvesti todas as diferenças,
E agora vejo os dois mundos como um.

O Sufismo sempre se baseou em uma perspectiva perene e universal da espiritualidade. Por seu caráter humanista e de busca pela transcendência, ele é reconhecido como expressão e continuidade de uma tradição ainda mais antiga, responsável pela preservação e transmissão dos conhecimentos e práticas que visam o desenvolvimento do homem e da própria humanidade.
Este é o núcleo do Grande Trabalho, da tradição das Escolas de Sabedoria, que já foi representado pela Escola de Sarmung, e que também é chamado de Grande Sufismo, ou Sufismo Maior. Ele está no núcleo da própria espiritualidade, uma vez que permanece livre de qualquer outro condicionante ou estrutura, seja ela, religiosa, social ou cultural. Esta tradição foi também chamada por alguns autores de Filosofia Perene.
O Sufismo, assim como outras Escolas, recolhe e preserva o conhecimento das diversas tradições esotéricas e das outras áreas do conhecimento humano e produz um novo conhecimento, mais abrangente e adequado ao contexto cultural.
E é por isso que Sarmung, uma das últimas Escolas a cumprir este papel, tinha como símbolo a abelha, que recolhe o néctar de diversas flores, e que em sua colméia produz o mel. E é esse mel que, de tempos em tempos, é oferecido e reorienta a humanidade em seus caminhos de desenvolvimento.
Por toda esta liberdade e complexidade apresentadas acima, o Sufismo foi muitas vezes atacado dentro do próprio mundo Islâmico como sendo uma heresia. Talvez por isso, atualmente, o Sufismo venha perdendo exatamente os elementos de liberdade e universalidade que tanto o caracterizaram. Muitas vezes, acaba por restringir-se exclusivamente à perspectiva Islâmica, que jamais negou ou deixou de proteger e reverenciar, mas também à qual nunca havia se deixado aprisionar.
Outro processo bastante triste é a vulgarização do Sufismo através do oportunismo de certos indivíduos sem conexão com o processo, que surgem em função do destaque que ele recebeu nos últimos anos.
Esse padrão infelizmente vem atingindo não apenas o Sufismo. A degeneração e banalização da espiritualidade vêm se tornando um problema sério. A grande quantidade de informação tem colocado as pessoas em um grau acentuado de confusão. Por faltar referências no que diz respeito à espiritualidade é difícil desenvolver a capacidade de discriminar o que útil do que não é, e isso reduz em muito a chance de se fazer escolhas adequadas.
O objetivo não consiste em ter uma crença onde se apegar, mas sim, em procurar desenvolver uma qualidade de viver e de ser. É fundamental compreender que um caminho de desenvolvimento busca desvendar o maravilhoso mistério que se encontra em cada pessoa e em toda criação. O conhecimento real não é simplesmente um conjunto de crenças ou dogmas, mas sim, a busca pela essência daquilo que cada um é e do significado da própria vida.
Por esse motivo nossa relação com o Sufismo não se deu através de uma dimensão religiosa, mas sim, por causa de sua característica universal. Ele expressa aspectos de uma tradição que está além de perspectivas limitantes e dogmáticas e por isso, tornou-se fundamental em nossa trajetória. Esse processo, dentro do Sufismo, ocorreu gradualmente na medida em que tais elementos foram sendo reconhecidos como um complemento importante para outras propostas e escolas de sabedoria ocidentais.
Porém, tem sido através da perspectiva do Quarto Caminho, uma expressão contemporânea da tradição perene, que temos buscado explorar e resgatar outras propostas e tradições que igualmente expressaram esta mesma perspectiva em outros momentos. Mas, como já foi apresentado por vários autores, até mesmo as formulações do Quarto Caminho parecem ter sido influenciadas pelo Sufismo, através dos contatos que Gurdjieff estabeleceu com esta tradição.
Por outro lado, ao longo de nossa experiência, compreendemos que são necessárias outras abordagens para que as experiências propostas pelo Sufismo sejam tornadas permanentes. Por isso temos adotado ao longo do tempo, uma postura mais aberta em relação a essas tradições em busca da essência destes conhecimentos e práticas.
Neste mesmo contexto, outros expoentes do Sufismo tornaram-se fonte de estudo, inspiração e influenciaram igualmente nossa trajetória. Indivíduos como Shihabuddin Surawardi, Muhidin Ibn Arabi e Jalaludin Rumi em suas buscas por revelar o mistério do homem e da criação expressaram um conhecimento próprio, fruto da transformação pessoal de cada um. Ao invés de aderirem a dogmas e repetirem comportamentos e conhecimentos, eles se tornaram fonte de novas visões de mundo que renovaram perspectivas e abriram as portas para outras dimensões e possibilidades.
Este é o valor fundamental do caminho espiritual - possibilitar o desenvolvimento do individuo e a extraordinária descoberta que se revela a cada um que busca apaixonadamente descobrir seu próprio mistério.
Eu desejo ir para longe,
Centenas de milhas da mente.
Desejo me libertar do bom e do mal.
Quanta beleza por trás dessa cortina!
*
Existe uma alma dentro de sua alma.
Busque por ela.
Existe uma jóia na montanha que é seu corpo.
Olhe para a mina que contém essa jóia.
Ó sufi andarilho
Busque dentro de você e não fora.


*fonte do texto:


O Sufismo tem sido reconhecido há muito tempo como representantes da espiritualidade e detentores dos conhecimentos e práticas do caminho místico, no despertar da espiritualidade humana, e no resgate da relação do ser humano com o Divino, na busca do desenvolvimento pleno de sua consciência e suas infinitas potencialidades.
O Sufismo contém elementos comuns de outras tradições e pode dar continuidade à elas incorporando-as dentro de seu processo.
O Sufismo tem um caráter universal, mesmo estando ele ligado ao contexto do mundo Islâmico. Encontramos no Sufismo aspectos das tradições da antiga Pérsia, Egito, Grécia, e outras. Vemos dentro de seus conhecimentos e práticas um conhecimento mais amplo que praticamente sintetiza os elementos mais diversos. O Sufismo tem como objetivo o retorno do ser humano à sua dimensão mais perfeita aproximando-o ao Divino, como qualquer caminho místico verdadeiro.
O Sufismo foi o grande responsável por introduzir no Islã um grau cultural que acabou por influenciar o próprio Ocidente durante a Idade Média. O Sufismo influenciou tanto Cristãos e Judeus como as escolas esotéricas. Também influenciou a filosofia, com a tradução dos textos dos filósofos gregos e em todo o desenvolvimento posterior, nas ciências, na medicina, na matemática, na astronomia e nas Artes através da influência moura.
Os primeiros Sufis apareceram alguns anos após a morte do profeta Maomé. Eram indivíduos que se retiraram para o deserto ou para locais sem evidência, para preservar e dar continuidade aos conhecimentos que receberam. À eles Maomé teria confiado os aspectos mais esotéricos do
conhecimento que possuía, a dimensão mais mística ou espiritual.
Em contato com outras tradições, estes primeiros sufis foram os maiores responsáveis pelo desenvolvimento da dimensão mística do Islã, e aos poucos foram formando escolas e ganhando importância como os verdadeiros representantes da espiritualidade. Começaram a ser conhecidos como Sufis e inseriram suas escolas na comunidade.





A melhor aproximação na definição de Sufismo reside em um de seus próprios atributos, o Caminho. Uma via que dá acesso ao "Ser Humano Desperto".
O Sufismo considera o homem atual não plenamente no gozo das qualidades e atributos a que afirma ter direito e uso. O seu comportamento poderia ser qualificado de "Sono".
Para despertar esse homem, o Sufismo dispõe de um arsenal de meios, métodos e processos.
Existem princípios que permitem a escolha correta. O princípio do tempo correto, do lugar correto, de pessoas corretas, de situação social correta e a presença de um mestre preparado.
Reais progressos, segundo os sufis, só podem ser realizados sob a orientação de um mestre vivo e atuante. A aproximação ao Sufismo feita através de livros, palestras e discussões é mera aproximação.
O Sufismo é um processo vivencial e experimental que, sob as orientações de um mestre qualificado, dentro das condições de tempo, lugar e situação social e pessoal realiza a transformação do ser humano, de forma a levá-lo a um aperfeiçoamento, cujo produto final é conhecido como Sufi.
Este processo não entra em conflito com as necessidades, disposições, realizações e realidades, do mundo exterior ao indivíduo.
Um sufi pode existir em qualquer lugar. O Sufismo é a essência absoluta de todas as religiões. Sempre que uma religião se torna viva é por causa do Sufismo.
Sufismo significa simplesmente um caso de amor com o supremo, um caso de amor com o todo. Sufismo é a arte de remover obstáculos entre você e você, entre o self e o self, entre a parte e o todo.Ele não conhece formalidade.
Um sufi é um sufi. Não há como definí-lo. Através da mente e do intelecto não é possível conhecê-lo.Você pode apenas vivenciá-lo. A única maneira de saber o que é um sufi.é tornar-se um deles.
O Sufismo só pode ser transferido de pessoa a pessoa e não a partir de um livro. É uma transmissão além das palavras. Os sufis tem uma palavra especial para isso que é Silsila. Silsila significa uma transferência de um coração a outro coração, de pessoa a pessoa. O Sufismo é muito pessoal.
Um sufi tem de obter uma inocência primal. Ele tem de abandonar todos os tipos de cultura, condicionamento. Ele tem de se tornar novamente um animal.
Sufi significa lã, na raiz da palavra alemã e árabe.
Quando você escolhe que isto é bom e aquilo é mau, você permanece dividido.
Um sufi não conhece escolha. Ele é consciente sem escolha. O que quer que aconteça, ele aceita como uma causa dada por Deus. Ele confia na mente universal.
A palavra sufi pode ser derivada de sufa - pureza, limpeza, purificação. Quando você vive uma vida sem escolhas, surge uma pureza natural no sentido de ser divino.
Para um sufi Deus não é uma idéia. É sua realidade vivida. Esta realidade não está em algum lugar no céu. Ela está aqui e em todos os lugares, agora. Deus é apenas um nome para a totalidade da existência.
A palavra sufi pode ser derivada de outra palavra, sufia, que significa escolhido como amigo de Deus.
A sabedoria surge através do seu próprio ser. Você é a luz de si mesmo.
O Alcorão diz que três qualidades tem de estar no coração do buscador. A humildade, a caridade e a verdade (autenticidade). Estes são os três pilares do Sufismo.
Humildade define o homem que entendeu todas as formas do ego, não do desejo.
Caridade aparece quando você, a partir da sua abundância, compartilha a alegria de dar tal como a flôr dá o seu perfume.
O sufi vive no momento e esse pequeno momento torna-se luminoso através da concentração de energia.
O Sufismo é o caminho do amor e do sentimento. Sufismo é o despertar do coração.
Os sufis são aqueles que tem coração. O coração é a faculdade de perceber o bem amado. Só atravéz do coração você realiza a vida. É como uma celebração. O Sufismo é uma grande celebração. Um sufi lhe dá métodos, não doutrina. Os sufis são chamados "O povo do caminho" e eles dizem: Trabalhem o método!
Para seguir um método a pessoa precisa estar em busca. Um mestre vivo lhe dará apenas uma visão do que é possível. Então você começa a trabalhar por si mesmo. Cada um tem de encontrar sua própria disciplina.
Existem três planos: corpo, mente e alma.
O primeiro é sharia, que significa o corpo da religião. O ritual, o formal e mais social do que espiritual.
Sharia é o núcleo superficial da religião. Sharia é a circunferência de um círculo.
A segunda camada é hagiga. É o centro da circunferência, a alma da religião e a essência.
O terceiro plano é a tarica que significa o caminho, o método, de fora para dentro.
Só um raio pode ligar a circunferência ao centro e os raios são as pessoas do caminho, que transmitem muitas técnicas.
Tárica é levar a pessoa até a verdade para que ela possa ver por si mesma.
Cada degrau tem de ser celebrado.
O sufi dá a você o conhecimento sobre tárica, sobre o método mas não dá a você conhecimento sobre princípios.
Os sufis dizem que se um homem não tem consciência, nada pode ser ensinado.
Sufi significa consciência na vida, conciência num plano mais elevado do qual normalmente vivemos.
Um mestre não reajusta a sua mente, ele o ajuda a dissolvê-la livre de condicionamentos, leis, sociedade. Ele lhe dá liberdade.
Quando a pessoa começa a se perguntar o que é a religião verdadeira, o que é o verdadeiro Deus, ela se transforma em um buscador sufi.
Não há nenhum significado existindo na vida. Alguém tem de criá-lo.
A verdade religiosa não é uma coisa. É um significado e um sentido. Cada pessoa ir atrás dela para descobrí-la e explorá-la.
O conhecimento é uma teoria; o conhecer é uma experiência; conhecer quer dizer que você abre os olhos e você vê . Conhecimento significa que quem abriu os olhos viu e fala sobre isso e continua a acumular informações.
Os sufis dizem que se uma pessoa quer renunciar a algo, deve renunciar ao conhecimento que acumulou na memória. Essa é a verdadeira barreira para se tornar como crianças, um inocente.
Toda a existência é de cada pessoa. Ela deve explorá-la sem nenhum preconceito e filosofia mantendo a mente aberta. e assim ficará surpresa por descobrir que Deus existe.
A existência é um mistério, o imprevisível está em todo lugar. O corpo é a alma visível e a alma é o corpo invisível.
Contemplação Sufi significa pessoas sentadas em profunda recordação de Deus. Apenas sentadas silenciosamente observando a fonte fluindo energia. O que vier do mestre, a pessoa está pronta para recebê-la.
Baraka, a graça, está sempre fluindo do mestre. Se você estiver aberto, você será preenchido por ela. Você pode beber da fonte do seu mestre, onde quer que você esteja.
Meditação é um meio de ir para dentro de si mesmo, na profundidade onde os pensamentos não existem.

Fonte: Sufis, o povo do caminho - Livro de Osho.

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